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Dr. Davidson Alba

Cirurgia para Doença de Parkinson

terça-feira, 16 de junho de 2020

Cirurgia para Doença de Parkinson

Desvendar o conhecimento a respeito de uma doença tão incapacitante e estigmatizante quanto a de Parkinson tem sido um desafio e, ao mesmo tempo, uma necessidade para que se possa agir, no sentido de minimizar as manifestações dela. E o primeiro passo para que se tentem medidas para melhorar a qualidade de vida dos pacientes acometidos por tal condição, dentro do universo de patologias que levam a tremores e movimentos anos mais e/ou involuntários.

As raízes do tratamento cirúrgico dos distúrbios de movimento, notadamente a doença de Parkinson, remontam à primeira metade do século passado. Embora houvesse relatos da antiguidade de quadros que, retrospectivamente, poderiam ser atribuídos à doença de Parkinson, foi James Parkinson que publicou, em 1817, pela primeira vez, sobre a síndrome clínica que chamou de "paralisia agitante".

O desenvolvimento de arcos de estereotaxia, para localização tridimensional mais precisa de locais no cérebro, usando coordenadas cartesianas, e seu uso combinado às técnicas radiográficas da época, permitiu que se pudesse localizar diversas estruturas na profundidade dos hemisférios cerebrais com o intuito de causar lesões e, posteriormente, servir de sítio de estimulação elétrica para o tratamento de tremores. A ablação dos núcleos ventrolateral e ventral anterior do tálamo nos anos 50, bem como o trabalho de Albe Fessard em 1963, com a estimulação do núcleo talâmico ventral intermédio, serviram de base para a moderna estimulação cerebral profunda.

O entusiasmo com as opções cirúrgicas para tratamento do tremor, especialmente o parkinsoniano, diminuiu significativamente no início dos anos 60, com a introdução da levodopa. Tal medicação controlou boa parte da sintomatologia dos pacientes, segue sendo a espinha dorsal do tratamento da doença de Parkinson e é inclusive um preditor de boa resposta ao tratamento cirúrgico, naqueles pacientes que são candidatos potenciais à cirurgia.

Entretanto, no final dos anos 80 ficou claro que o tratamento clínico com medicação não seria o suficiente: tremores refratários à levodopa, bem como as discinesias - movimentos grosseiros típicos induzidos pelo medicamento, eram limitações que não podiam ser ignoradas. O entendimento da fisiologia e da anatomia funcional dos núcleos basais do cérebro, bem como o desenvolvimento da tecnologia de estimulação elétrica para fins médicos, tanto para marca-passos cardíacos como para estimuladores medulares espinhais, já era uma realidade.

Esses elementos foram fundamentais no desenvolvimento da tecnologia própria para estimulação cerebral. Durante os anos 90, diversos estudos, muitos deles em primatas, demonstraram a eficácia da estimulação cerebral profunda dos núcleos subtalâmico e do globo pálido interno para controle dos sintomas motores da doença de Parkinson.

Em 2002, o Food and Drug Administration (FDA) nos EUA aprovou o uso da cirurgia de estimulação cerebral profunda - Deep Brain Stimulation (DBS) - para doença de Parkinson, com mais de 100 mil pacientes tratados ao redor do mundo desde então. O impacto da terapia na qualidade de vida - diminuindo dose de medicação, reduzindo ou suprimindo tremor e discinesias, melhorando a estabilidade postural (diminuindo a chance de quedas e, consequentemente, de fraturas, traumatismos e outras ocorrências indesejáveis) reconquistando a independência para tarefas diárias básicas – do paciente e, consequentemente da sua família, é algo que não pode ser negligenciado, nem sonegado aqueles acometidos pela doença.

Enfim, os pacientes com sintomas parkinsonianos típicos, como tremor de repouso, rigidez, postura achados no exame físico sugestivos de parkinsonismo, há pelo menos 5 anos, que não tenham diagnóstico de demência, nem depressão grave, ou doença psiquiátrica instável, devem ser considerados para avaliação, com vistas à possível cirurgia, com neurocirurgião com treinamento e experiência em neurocirurgia funcional.

Vale lembrar que, além da doença de Parkinson, o tremor essencial e a distonia também têm indicações distintas, também aprovadas pelo FDA e ampla mente demonstradas na literatura, para implante de estimulação cerebral profunda, além de diversas outras utilizações potenciais, que se encontram ainda em fase de estudo, como, por exemplo, para doença de Alzheimer, que poderão ser beneficiadas pela terapia no futuro.