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Dr. Davidson Alba

O que são tumores cerebrais?

quarta-feira, 15 de abril de 2020

O que são tumores cerebrais?

Tumores cerebrais sempre foram, e ainda são, algo estigmatizante. Em parte pela gravidade do quadro clínico, em parte pela expectativa de vida sombria de boa parte dos casos, ou mesmo pela complexidade e pelos riscos do tratamento, esse assunto demanda muitos e grandes esclarecimentos a todo momento.

Aproximadamente metade dos tumores intracranianos são secundários. Ou seja, são malignos e provêm de outras partes do corpo, seja se disseminando pelo sangue (metástases) ou por invasão local, quando tumores da garganta, dos seios paranasais ou da face crescem e invadem meninges e até mesmo o cérebro propriamente dito. Nesses casos, o tratamento precisa ser feito, levando-se em consideração tanto o tumor primário (de origem) quanto a lesão intracraniana. Tais lesões podem ser únicas, ou múltiplas, e isso influencia na decisão de como tratá-las, podendo-se inclusive optar por não oferecer cirurgia aos pacientes em que ela não oferece uma vantagem significativa em relação ao que se chama de “história natural da doença”, que é o curso dela, caso não se faça “nada”, do ponto de vista terapêutico.

Dentre os tumores intracranianos primários, originando-se no cérebro, nos nervos cranianos ou nas meninges, pelo menos metade deles é composta pelos gliomas de alto grau, notadamente o glioblastoma e seus subtipos, o mais maligno (e mais comum, infelizmente) deles. Os gliomas são tumores que surgem das células da glia, aquelas que estão ao redor dos neurônios, e a Organização Mundial de Saúde os classifica em baixo grau (graus I e II, sendo que apenas os de grau I podem receber a alcunha de benignos propriamente) e de alto grau (III e IV, lesões anaplásicas, com comportamento microbiológico e epidemiológico de cânceres muito agressivos. Uma porção considerável dos gliomas de alto grau já foi de baixo grau um dia, tendo evoluído de forma (oligo)assintomática ao longo dos anos. Daí a importância de investigar sintomas possivelmente negligenciáveis para um diagnóstico precoce, com mais chances de tratamento adequado. Dor de cabeça, especialmente se persistente e de piora progressiva, bem como alteracões da força ou do tato nos membros, ou mesmo da visão, assim como crises convulsivas, são as manifestações mais comuns dos tumores intracranianos, e quem as sente deve procurar um médico para investigação, idealmente um neurocirurgião. A Sociedade Brasileira de Neurocirurgia é o órgão, vinculado à Associação Médica Brasileira, que representa e fiscaliza o exercício profissional da especialidade no Brasil, e cabe a ela, juntamente com o MEC, a titulação dos neurocirurgiões que fazem jus ao título de especialista, caso tenham cumprido os critérios exigidos para sua obtenção. Portanto, o ideal é sempre procurar um neurocirurgião que tenha título de especialista pela Sociedade Brasileira de Neurocirurgia.

Via de regra, a pedra fundamental do tratamento das metástases cerebrais é a cirurgia de retirada delas. Em associação ao tratamento cirúrgico, normalmente após ele, costuma se associar tratamento oncológico, com alguma modalidade de radiação (radioterapia ou radiocirurgia) e de medicação (quimioterapia, imunoterapia e/ou terapia(s)-alvo). A decisão sobre a conduta idealmente deverá passar por um(a) neurocirurgiã(o), em conjunto com um(a) oncologista ou hematologista, dependendo da neoplasia primária, se tumor sólido ou originário da medula óssea.

No tratamento dos tumores intracranianos primários, dependendo da suspeita pelos exames de imagem (os meningiomas, tumores benignos e de crescimento lento em mais de 90% dos casos, são o segundo tipo mais comum de neoplasia intracraniana primária, depois dos gliomas), pode-se também desde apenas observar lesões pequenas, assintomáticas e presumivelmente benignas (a acurácia da ressonância magnética para os meningiomas é superior a 90%), até lançar mão de métodos complexos e complementares à cirurgia.

Sobre o uso de técnicas complementares na neurocirurgia, há que se falar da própria história dela. O “pai”da especialidade, Dr. Harvey Cushing, se notabilizou por desenvolver a cirurgia transesfenoidal (através do nariz e dos seios da face) para os tumores da região da sela túrcica, principalmente (mas não apenas) da glândula hipófise. Tanto é verdade que um tipo deles, o adenoma produtor de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), é chamado de Doença de Cushing em referência ao cirurgião que muito fez pelo seu diagnóstico e tratamento. Tal via de acesso aos tumores da base craniana ganhou, ao longo dos anos, o acréscimo da visualização por microscópio cirúrgico e, nas últimas décadas, por endoscópio (por “vídeo”), além de diversos instrumentos e aparelhos para abertura óssea, como sistemas de brocas, aspiração ultrassônica (que desintegra desde tecidos moles até mesmo osso com ondas de ultrassom e aspira o material na sequência) e de orientação, como a neuronavegação (que fornece ao cirurgião uma localização, baseada em exames de imagem do paciente e na posição em tempo real, semelhante à de um “GPS do cérebro”). Um dos precursores da neuronavegação é a estereotaxia, que permite a localização de pontos intracranianos através da obtenção de suas coordenadas cartesianas nas três dimensões. Embora não tenha utilização na cirurgia transesfenoidal, ainda é amplamente utilizada para diversas cirurgias em todo o crânio, não apenas para tumores, e vem se modernizando progressivamente.

Conforme a localização de alguns tumores, o risco cirúrgico de lesão de áreas cerebrais eloquentes, ou de nervos cranianos responsáveis por certas funções (mobilidade da face e os membros, deglutição, fala, equilíbrio, visão, audição, etc.), pode-se lançar mão da monitoração neurofisiológica. Com o paciente acordado, ou não, a integridade da função das estruturas sob risco no ato cirúrgico é monitorada em tempo real, através de eletrodos instalados no paciente e conectados num computador especial, supervisionado por um médico neurofisiologista, que informa o cirurgião sobre quaisquer alterações funcionais que porventura ocorram. Quando fala, memória ou outras funções cognitivas complexas estão sob risco, ou acometidas, o paciente pode ser submetido, durante a cirurgia, a testes matemáticos, de raciocínio, ou de habilidades como tocar instrumentos musicais (caso ja o saiba), por exemplo. Com o aumento do grau de segurança para o paciente, o cirurgião pode proporcionar uma cirurgia mais agressiva/resolutiva, com maiores chances de cura ou controle da doença, sem riscos excessivos de déficits pós-operatórios ou sequelas graves.

Enfim, os tumores intracranianos continuam sendo um grande desafio, tanto para os neurocirurgiões que os operam, quanto para os oncologistas que os tratam, quanto para os pacientes que por eles são acometidos. Apesar do uso racional de toda a tecnologia disponível hoje em dia, o seu tratamento e uma eventual cura ainda estão, na maioria dos casos, muito aquém do ideal ou desejável. Portanto, são um campo onde vale ainda muita pesquisa, rumo à evolução do diagnóstico e do tratamento dessas lesões. Só assim poderemos descobrir essas lesões mais precocemente e oferecer uma terapêutica mais oportuna e eficaz!

 

Escrito por: Dr. Davidson Alba
Neurocirurgião - Membro Titular e Especialista da SBN
CREMERS 32970
RQE 27233